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domingo, 22 de maio de 2016

[Reflexão] A falácia do estado binário


O que é isso?

Primeiro, vamos deixar claro o conceito de falácia: é qualquer argumento alheio à lógica, que não possa ser explicado, fundamentado ou justificado com o uso da razão e do raciocínio lógico. Existem vários tipos, mas neste texto, pretendo focar em apenas um deles: a falácia do estado binário. A falácia do estado binário é, essencialmente, um argumento qualquer que seja elaborado de maneira a justificar uma ideia com apenas duas possibilidades universais, antagônicas e mutuamente exclusivas. Uma maneira informal de se referir a esta falácia é o termo dilema, o impasse de ser obrigado a escolher entre uma situação e outra.

Cometemos, inconscientemente por vezes, esta falácia todos os dias. Isto é certo ou errado? Devo ir por este caminho, ou por aquele caminho? Devo escolher este ou este outro? Você é de direita ou de esquerda? Intervenção estatal ou liberdade econômica? Sair pra dançar, ou ir tomar uns drinques? Ler este ou aquele livro? Jogar este ou aquele jogo? É legal ou ilegal? Dilemas em geral.

São situações genéricas que tendem a dividir as ideias em nossa mente em duas metades, e nos força a tomar decisões binárias, que são basicamente uma o oposto da outra. Quando diante de um problema, frequentemente consideramos apenas duas soluções, e ainda que consigamos visualizar múltiplas abordagens além de apenas duas, o nosso intelecto nos força a reunir alternativas parecidas em apenas dois estados, e colocarmos um diante do outro, na tentativa de provar qual dos dois é melhor.

Este é o estado binário, o ato de polarizar ideias.

Mas por que é ruim?

Tomemos o seguinte contexto: a questão Uber vs taxistas legalizados. O Uber é um serviço de foi originalmente concebido como um facilitador para pessoas que combinam caronas entre si. Disso, acabou virando uma alternativa muito influente de transporte urbano remunerado. Ao chegar no Brasil, não teve uma receptividade muito boa por parte dos taxistas, com vários argumentos, mas bastante notório o que tenta justificar a impossibilidade do serviço funcionar no Brasil devido à sua falta de alinhamento com a legislação brasileira de transporte remunerado.

Os sindicatos são categóricos ao justificar esta atitude: ou se adapta às leis brasileiras ou não trabalha no Brasil. Mas esta argumentação é limitada, e explico o porquê. Os taxistas são obrigados a pagar impostos e operar com licenças emitidas pelo Estado para poder trabalhar, algo que não incide sobre os profissionais do Uber. Isso é injusto? Talvez. Que tal se pensarmos na possibilidade de o controle exercido pelo Estado sobre a profissão praticada pelos taxistas ser flexibilizado? Ou então imaginarmos uma alteração na legislação vigente para permitir que empresas que prestem serviços diferenciados tornem-se novos players, e permitam que a concorrência no mercado fique ainda mais acirrada? Por vivermos em uma economia de livre mercado, quanto mais concorrência tivermos, mais saudável o mercado fica. E por que não, imaginar o benefício de imitar a iniciativa do Uber, tentar ser visto como um serviço diferenciado? São infinitas maneiras de resolver o problema.

Estamos em um momento político delicado no governo brasileiro, em que um governo interino luta pra não ser visto como um substituto forçado em meio ao processo de impedimento que tirou temporariamente os poderes do chefe de estado original. O que, geralmente, tiramos das reações da população são argumentos antagônicos que tentam se anular em favor da razão unilateral presente em apenas duas ideias: a de que o governo interino deve permanecer, e a de que deve acabar e tudo voltar como estava. Neste contexto, ceticismo é muito importante: talvez o governo anterior não tenha cumprido com o que deveria ter cumprido, e talvez isso justifique a vinda do governo interino, mas o governo interino poderá facilmente cometer os mesmos erros se a polarização de ideias continuar. Ao transformarmos a crise política brasileira em uma polarização de ideias, ajudamos a provocar o fenômeno da divisão para a conquista. Se estivermos divididos, somos mais fáceis de conquistar, e essa é a matriz dos problemas da falácia do estado binário.

A própria lei, e a maneira como as autoridades judiciárias lidam com ela, por si só, é um exemplo da falácia do estado binário. Aquele que desobedece as leis deve ser punido, ponto. Roubar é ilegal, mas, realmente, estaremos sendo justos se desconsiderarmos as razões que levaram alguém a roubar, e separarmos o cidadão de bem do criminoso apenas usando o parâmetro binário legal ou ilegal? E punir criminosos com base em textos que descrevem situações hipotéticas e genéricas, sem a consciência de que por trás de um ato criminoso existem milhares de motivações e objetivos diferentes? É realmente justo justificar uma prisão com esse argumento?

Cometer esta falácia não é apenas um ato de ignorância em relação ao raciocínio lógico, mas algo que representa um sério risco à harmonia em sociedade.

Como evitar?

É extremamente simples, e não é necessário ser habilidoso com raciocínio lógico. A solução para isso é, basicamente, abrir a mente, pensar fora da caixa. Desconstruir ideias binárias em diversas possibilidades, e colocá-las na mesa sem categorizá-las por relevância ou alinhamento em relação ao conceito de certo ou errado, mas considerando o peso de cada uma delas.

Pode ser complicado fazer isso, porque, como mencionado nos parágrafos iniciais, tendemos a agregar fragmentos que irão formar as ideias que entram neste embate, mas um mínimo de esforço mental é suficiente.

Ok, aprendi a evitar. O que ganho com isso?


Seguir o caminho do raciocínio lógico e evitar a falácia do estado binário é uma excelente maneira de aproximar-se da verdade mais universalmente conveniente para a resolução de um problema, já que, por natureza, a falácia do estado binário tende a nascer de problemas de origem binária. É fácil resolver esses problemas se as possibilidades forem expandidas para um número além de dois. Dois é um número muito pequeno de soluções, e chegar a esse número implica em um processo de filtragem prévio, e é neste processo que evitamos construir argumentos irracionais, algo que nos permite tomar decisões melhores, mais justas e mais inteligentes.
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Que esta leitura seja apreciada, e que sejam atacados impiedosamente os argumentos aqui expostos :).

 

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