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sexta-feira, 16 de maio de 2014

[Reflexão] Ser puta

Há tempos eu tive vontade e indiretamente falei sobre o assunto sobre o qual discorrerei agora.
Ensejado por um debate informal que testemunhei hoje em minha classe, terei finalmente o prazer de expor minha reflexão e opinião sobre este tema que, por conta de fatores “morais” e de tradição, ainda é um tabuísmo gigantesco na maioria das sociedades modernas. A prostituição; especialmente o fato de ser puta* e o que isso quer dizer.

A prostituição, ao contrário da crença popular, não é a profissão mais antiga do mundo. É antiga, porém não a mais. O que não lhe descredita nada a associação com o velho. A prática rudimentar de sexo em troca de algo existe faz muitos anos.
Aproveitando o ‘toque’, classifico prostituição como relação sexual-sensual CONSENSUAL escambada por algum bem ou serviço. Seja dinheiro, bens materiais, serviços, etc. Definida deste modo... eu sinceramente não consigo entender o que há de tão errado nisso. Fala sério, qual é a “parada” ruim nisso? What’s the big deal? Uma troca de uma coisa por outra. O homem faz isso a... sei lá... milênios? Por que com o sexo tem uma conotação tão diferente? Salvo prostituição infantil, sexo como chantagem e proxenetismo onde há o emprego de coação ou violência, eu não vejo como se prostituir possa ser mau

Esta hora você pode vir a mim com os argumentos à la “moral e bons costumes”, religioso ou “de saúde”. Beleza. Vejamos...

No primeiro caso não existe jogo de palavras ou ponto de vista que mude muito como discutir com alguém que condena a prática por moral. Se a pessoa é contrária a esta ideia porque ela enxerga como algo ruim per se, então isto é problema unicamente dela. Minha moral difere da sua, e da dele, e de uma puta. Enquanto isto não interferir na minha vida [implicando que eu considere ter alguma relação direta ou não com a prostituição uma coisa ruim], e, não caracterize um crime, simplesmente aceitar é o que você tem que fazer, no mínimo. Ninguém é obrigado a seguir seu modo de pensar. Se não lhe convém a prostituição, NÃO USE o serviço que a prostituição oferece (e também não se prostitua RÇ).

Religião... acho que não preciso dizer que lógica inexiste no fato de querer mandar na vida dos outros que não seguem seu credo. Sua religião condena a prostituição? Mesma coisa do carinha da moral ali em cima... não se utilize da prostituição.
Você é prostituta e tem uma religião que condena o que você faz? Bem... eu diria para você rever seus conceitos de fé, mas por outro lado, os dogmas são tão obsoletos e “chafurdantes” quanto a moral. Então tanto faz como tanto fez. Talvez você seja a mudança que falta nos conceitos daquela religião; aceitação de todos, por que não de putas?

Argumento da saúde. Enquanto eu até entendo este ponto, que sugere ser contrário a prostituição pelo fato da mesma disseminar doenças, este é um argumento um tanto quanto fraco. A falta de informação, instrução (e até regulamentarização) para com as profissionais do sexo é que leva a este erro sobre as doenças. Claro, conscientização não é uma mágica que irá barrar todas as pessoas de contraírem estas enfermidades, todavia faz sim sua diferença ao mostrar o tanto de malefícios que pode trazer caso a pessoa se infecte.

A pessoa vive daquele trabalho. Se ela adoecer ela não poderá exercer mais como antes e talvez não terá mais o sustento. Embora algumas defendam o sexo sem proteção com uma margem de lucro maior (pelo próprio fato de ter a relação sexual desprotegida; pleasure thing...) pondo esta dicotomia na balança é improvável que alguém escolheria continuar a fazer sexo sem proteção, pois apesar de faturar mais com esta prática, ela pode trazer prejuízos que NÃO serão recuperados com dinheiro nenhum. Levando a maior parte a aderir ao sexo seguro e o argumento de saúde à asfixia.

Desbancada um pouco questão ‘econômico-moral’ da coisa... tudo me leva a crer que a visão social que as profissionais do sexo têm de ruim se dá muito pelo que foi supracitado. Creio também que se tais fatores fossem erradicados da equação, as putas seriam tratadas como qualquer profissional.

Uma leve observação perante um “argumento” que deixei de fora. Muita gente profere que é contrária a prostituição porque a mesma incita o adultério. Olha... não estou querendo fazer o papel de dono da verdade, porém eu ACHO que se alguém quer trair não é somente num prostíbulo que ela encontrará ‘tentações adulterais’. Vir com a desculpa de que pelo fato das pessoas que trabalham com sexo atiçarem a “vontade adúltera” de alguém é no mínimo uma cara de pau sem tamanho. Ninguém é ‘obrigado a trair’.

Com essas clarificações feitas, me volto para o contexto pessoal. Ser puta. Por que tão mal visto ainda?
Muito das ‘justificativas’ para esta resposta caem no caso das argumentações que já citei. 

“Ser puta é errado porque dormir com mais de uma pessoa (em troca de algo OU NÃO; a sociedade deixa isto bem claro) é depreciativo.”
Por quê? Já postos de fora as argumentações lá de cima, o que faz ser algo depreciativo? Por transar com mais de uma pessoa? Por transar com mais de uma pessoa ao mesmo tempo? Por ser visto com maus olhos, seja lá o que caralhos isso signifique (e que na verdade cai no caso da moral de novo)? Como eu brevemente já citei em um trecho deste texto, se for pôr estas coisas como ser puta, então todo mundo ou ao menos a VASTA maioria das pessoas se enquadra como prostituta. O que fica sem sentido se você que está julgando estiver incluso. Não adianta vir com desculpinha de que “eu já transei com mais de uma pessoa, mas eu não sou ‘fácil’” porque isto não é nada mais do que juízo de valor. Demorar um dia ou um ano para transar com alguém não diz absolutamente nada. No máximo, que você está necessitado ou que você sabe muito se controlar hehehehe. No final das contas você fez sexo e não tem nada de errado nisso. Querer se autoproclamar melhor por ser casto (por um período ou para sempre) é algo que não faz sentido. É, na minha visão, uma essencial forma de preconceito. Novamente... se não lhe agrada agir de uma certa forma, seja ser feroz sexualmente ou um “santo”, é só não fazer o que lhe desagrada, só isso.

É mais ou menos essa hora que SEMPRE vem aquela pergunta clássica: “Você iria querer ter uma filha puta?

Você que faz essa pergunta... veja bem. Leia todo o texto até agora. Novamente, se for preciso... e me diga uma coisa. Se não houvessem os fatores de julgamento, não fosse um crime, não prejudicasse ninguém... O QUE DIABOS EXISTE DE RUIM1? O fato de ninguém ou quase ninguém querer ter alguém que Ama como puta é por saber o que esta pessoa irá enfrentar por escolher seguir assim. O Amor é assim... você não irá se doer pelo que a pessoa é, e sim do que pode lhe acometer por ser assim. A mesma coisa com pais que têm filhos gays, deficientes e por aí vai. A pessoa irá sofrer não pelo que o Amado irá ser e sim pelo que ele (muito provavelmente) irá sofrer. Pais que não aceitam este tipo de escolha caem na questão dos argumentos que já falei. Não aceitam por questão moral, religiosa, etc... o que não é nada mais do que pressão familiar e não querer assimilar que o indivíduo toma escolhas próprias.
O único caso que consigo imaginar que não se encaixa nisso é o sentimento de ‘paternalismo de caridade’. Por exemplo... o sentimento que os pais têm quando veem os filhos crescendo e se desgarrando deles. Não é uma coisa necessariamente ruim, mas para os pais este “vôo” do filho para coisas mundanas é um sentimento melancólico.

Mas, caso você seja persistente e ainda quer que eu responda diretamente a pergunta, a minha resposta é: Na sociedade atual não. Não iria querer, porém não iria a impedir. Iria explicar para ela todos os gigantescos fatores negativos que a sociedade iria apontar para ela e também os riscos de vida2 e, como uma pessoa que Ama REALMENTE deveria agir, iria dar o suporte que fosse necessário para ela (principalmente no fator psicológico).
Claro que eu também sofreria daquele sentimento paternalista, é inevitável, mas, como uma pessoa racional, eu entenderia que por ser uma indivíduo ELA tem suas próprias decisões, por mais duras que sejam para eu aceitar como pai.

Eu espero que com este pequeno e espremido texto eu tenha passado um pouco de reflexão neste lodaçal de ignorância que esse tema traz. As pessoas por muitas vezes replicam seus modos de pensar e preconceitos de uma forma tão bananal que são tidas como verdades e morais indiscutíveis... sendo por muitas vezes pura falta de entendimento, compaixão e livre-pensamento para sequer imaginar que poderiam estar interpretando ou assumindo algo como errado.







*O termo está no feminino porque além da maioria dos profissionais do sexo serem mulheres, é inegavelmente maior também a repressão sexual que existe perante o sexo feminino. Não falo de somente ser considerada puta e sim de toda a questão desmiolada de que a mulher não pode gostar de sexo como o homem gosta, desfruta, faz. Por quê? Porque senão ela vai ser tratada justamente de puta. Sou só eu ou você também notou uma lógica circular nisso? [Só uma dica: lógica circular é uma falácia lógica ;)]


1-  Aqui existe toda a bagagem histórica fétida de enxergar o sexo como uma coisa ‘má e feia’. Muito deste pensamento desencadeado pela religião... infelizmente presente até os dias de hoje e tido de tamanha forma como algo ruim. Onde fazer sexo tem de ser “da forma” como X ou Y doutrina.
2-  O que quero dizer aqui com “riscos de vida” é pelo fato de no mercado do sexo a clientela ainda ser extremamente grotesca para com o próprio serviço que está sendo comprado e utilizado. Bem, acho que não é nenhuma novidade saber que prostitutas morrem aos montes, infelizmente.

2 comentários:

  1. Encontrei esse texto por acaso na net e achei uma reflexão muito interessante. De uma perspectiva feminina, o TERROR que é pregado para não pegar a "fama" de puta ou fácil é quase criminoso. E mesmo assim, é a primeira coisa que falamos quando queremos depreciar alguém. Mesmo entre amigas, para provocar, o termo é sempre pejorativo. A sua questão foi importante: Você teria uma filha puta? E realmente ao despir a profissão dos tabus e preconceitos parece totalmente normal. Mas não adianta só você fazer isso, se a pessoa estará sujeita a todo o resto do mundo que lhe dirá o contrário, que ela é menos alguma coisa por usar seu corpo como ferramenta de trabalho.
    Mas seu texto me trouxe uma dúvida: A profissão não tem nada de errado olhando desse ponto de vista, mas quantas profissionais o enxergam? E uma vez que a puta se considera um ser inferior, tem nojo ou vergonha do que faz (por situações sempre extremas) ela não se torna tudo o que dizem? Se ela acredita nisso, realmente o é?
    Parabéns pelo texto ;)

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  2. Olá, Lara. Primeiramente obrigado pela comentário e desculpe pelo meu lapso em não respondê-lo previamente. Eu só vim checar o organizador do blog hoje.

    Geralmente não uso este xingamento, mas entendo perfeitamente o que você quis dizer. Infelizmente creio que o tom pejorativo em que usamos a palavra é justamente por associarmos (até involuntariamente) a prostituição a uma conduta ou atividades pejorativas.
    Sim, de fato não adianta, pois uma parcela jamais aceitará meus argumentos. Até mesmo por alguns dos motivos que citei. Religião é um exemplo.

    Esta é uma observação bem interessante. No entanto, também sou levado a crer que as próprias profissionais podem ter tal visão de si mesmas por serem julgadas e apontadas a todo momento dessa maneira. Ainda mais algo que não vem de pouco tempo. Ela pode ter a concepção de que é o que as pessoas falam dela, porém essencialmente tudo isto que é imposto e atirado nada mais é do que subjetividade de quem pensa "daquela" forma sobre a prostituição. Daí elas podem mesmo se verem na visão do que os outros têm delas. Sou levado a pensar que aquelas que assumem tais julgamentos são as que estão neste mundo contra sua própria vontade. Não que tenham sido obrigadas a se prostituirem e sim que circunstancialmente foram levadas.

    Mas tenho que ressaltar que têm profissionais que não tem vergonha de tal profissão, encaram-o como deve ser: um trabalho, uma troca como qualquer outra. E algumas até gostam e conseguem se divertir nisto. Quer melhor profissão que isso? ahahahah

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